Começando a despertar..

Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que tudo começou a ganhar uma cara que, no fundo, eu já conhecia, mas havia esquecido como era. Comecei a despertar do sono estéril que, com suas mãos feitas de medo e neblina, fez minha alma calar. E foi então que comecei a ouvir o canto de força e ternura que a vida tem.

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Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que ninguém começa a despertar antes do instante em que algo em nós consegue deixar à mostra o truque que o medo faz. Só então a gente começa, devagarinho, para não assustar o medo, a refazer o caminho que nos leva a parir estrelas por dentro e a querer presentear o mundo com o brilho do riso que elas cantam. Só então a gente começa a entender o que é esse sol que mora no coração de todas as coisas. Não importa com que roupa elas se vistam: ele está lá.
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Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que comecei a lembrar de onde é o céu e a perceber que o inferno é onde a gente mora quando tudo é sono. Comecei a sair dos meus desertos. E a olhar, ainda que timidamente, para todas as miragens, sem tanto desprezo, entendendo que havia um motivo para que elas estivessem exatamente onde as coloquei. Nenhum livro, nenhum sábio, nada poderia me ensinar o que cada uma me trouxe e o que, com o passar do tempo, continuo aprendendo com elas. Dizem que só é possível entendermos alguns pedaços da vida olhando para eles em retrospectiva. Acho que é verdade.
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Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que comecei a compreender o respeito e a reverência que a experiência humana merece. A me dar conta de delícias que passaram despercebidas durante um sono inteiro. E a lembrar do que estou fazendo aqui. Ainda que eu não faça. Ainda que os vícios que o sono deixou costumem me atrapalhar. Ainda que, de vez em quando, finja continuar dormindo. Mas não tenho mais tanta pressa. Comecei a aprender a ser mais gentil com o meu passo. Afinal, não há lugar algum para chegar além de mim. Eu sou a viajante e a viagem.
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Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que comecei a querer brincar, com uma percepção mais nítida do que é o brinquedo, mas também com um olhar mais puro para o que é o prazer. A ouvir o chamado da minha alma e a querer desenhar uma vida que passe por ele. A assumir a intenção de acordar a cada manhã sabendo para o quê estou levantando e comprometida com isso, seja lá o que isso for, porque, definitivamente, cansei de perambular pelos dias sem um compromisso genuíno. E comecei a gritar por liberdade de uma forma que me surpreendeu. Antes eu também gritava, mas o medo sufocava o grito para que eu não me desse conta do quanto estava presa.
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Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que comecei a desejar menos entender de onde vim e a desejar mais aprender a estar aqui a cada agora. Só sei que descobri que a solidão é estar longe da própria alma. Que ninguém pode nos ferir sem a nossa cumplicidade. Que, sem que a gente perceba, estamos o tempo todo criando o que vivemos. Que o nosso menor gesto toca toda a vida porque nada está separado. Que a fé é uma palavra curta que arrumamos para denominar essa amplidão que é o nosso próprio poder.
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Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que não importam todos os rabiscos que já fizemos nem todos os papéis amassados na lixeira, porque todo texto bom de ser lido antes foi rascunho. E, por mais belo que seja, é natural que, ao relê-lo, percebamos uma palavra para ser acrescentada, trocada, excluída. A ausência de uma vírgula. A necessidade de um ponto. Uma interrogação que surge de repente. Viver é refazer o próprio texto muitas, incontáveis, vezes.
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Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. O que sei é que não quero aquele sono outra vez.
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Ana Jácomo

Comentários

ANGELICA LINS disse…
De tirar o fôlego.

Beijo
Gilbamar disse…
Uma leitura que me deu intenso prazer literário.

Abraços poéticos de Gilbamar.
Anônimo disse…
Beleza de texto!
Querida,ñ importa quando,importa seguir e ñ olhar para trás.
Beijo.
isa.
aluisio martinns disse…
"Viver é refazer o próprio texto muitas, incontáveis, vezes..."
acaba de escrever vida viva, dessas qe nos motivam a despertar sem o desperezo do sono...
vou escrever-me de novo...
abs
Acho que não há nada que mergulhar nesse mar de emoções tão intensas e perigosas.

Beijos
J Araújo disse…
Lindo o texto. Depois de algum tempo afastadp voltei para conferir seu blog.

bj
Anônimo disse…
Há uma surpresa para si, hoje 5ª,
no
http://isa-momentosmeus.blogspot.com

Que goste.
Beijo.
isa.
Olá amiga!

Cheguei até si pela amiga Isa!
Seguir em frente, vivendo o presente.
beijo
Anônimo disse…
Que pena tenho que ñ tenha recebido a sua 5ª feira,no "momentos Meus".
Ficou aborrecida?
Beijo.
isa.
Daniel disse…
Oi Christi, tudo bem?

Se você é como eu que sente falta da Tertúlia Virtual, por favor, deixa um comentário neste link lá no Varal de Idéias.

http://cimitan.blogspot.com/2010/12/comentarios-que-valem-um-post_14.html

Estamos tentando reviver aqueles bons momentos da Tertúlia.

Um abraco
Chris,

Vim matar saudades e deixar um carinho.
É bom chegar aqui e sentir tudo tão belo e encantador como antes.

Que seus dias estejam lindos,com a beleza que seus olhos desejarem.

Um Ano Novo maravilhoso pra você,cheio de amor e saúde.

Beijos carinhosos.

PS:Tenho andado por caminhos outros,labirintos,talvez.
Anônimo disse…
Adorei.
Mari Amorim disse…
Desejo que seus dias,sejam iluminados pela essência Divina,com Boas Energias Sempre!
Abraços
Mari
Hugo de Oliveira disse…
Excelente texto...muito bom. Demorei um pouco de ler por conta das letras...mas valeu a pena;
Parabéns pelo nível da produção textual...10.

abraços
de luz e paz

Hugo
AMORim disse…
Viver é riscar e rabiscar a própria alma, mesmo que alguns talvez não nos leiam outros tentarão decifrar. Parabéns pelo blog estou te seguindo. bjs

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